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Financiamento de Campanha e Representatividade

Artigo elaborado pela Equipe da Umbelino Lôbo em 07/06/2022.


Quando pensamos em financiamento de campanha, os primeiros tópicos e debates que podem vir à mente estão relacionados à origem desses recursos, às regras e os limites de gastos de uma campanha e à prestação de contas que envolve esse processo. Quais os limites e as vantagens do financiamento privado ou público? O dinheiro público deve ser destinado para o financiamento de campanhas eleitorais e de estruturas partidárias? Quais fontes de financiamento são permitidas e por quê? Deve existir um teto para gastos de campanha ou um limite para doações? Quais dados devem ser disponibilizados no processo de prestação de contas? Esses e outros tópicos que envolvem o tema mobilizam questões e reflexões que resultariam em diversos artigos e que seriam elaborados com mais propriedade e profundidade por especialistas em cada um desses debates.


Mas diante dessas discussões e como profissionais de Relações Institucionais e Governamentais (RIG), existem problemas que nos interessam mais diretamente e que atravessam os tópicos elencados no primeiro parágrafo. Elas estão relacionadas a como os mecanismos de financiamento podem distorcer a representatividade do grupo de candidatos e candidatas eleitas e as decisões tomadas por esses atores. E para pensar essas dinâmicas é importante ter em mente algumas características dos nossos tempos e do nosso país. A primeira está ligada com o alto grau de interdependência da nossa sociedade e a complexidade que ela coloca no desenvolvimento de soluções que permitam a efetividade de um regime democrático. A segunda diz respeito a três fenômenos estruturantes da realidade brasileira: a desigualdade econômica, o racismo e o machismo.


A democracia, como um regime de governo, nunca está pronta ou acabada. E como forma de poder que tem como origem o povo, ela deve se atualizar de modo constante e estar orientada a garantir os direitos fundamentais e a priorizar a dimensão coletiva da vida em sociedade. Nesse contexto, é importante, antes de pensar em regras e modelos mais objetivos, alinhar princípios e prioridades. Assim, o arcabouço legal e institucional da justiça eleitoral precisa acompanhar a dinâmica política e social do país de modo a garantir eleições limpas, seguras e transparentes. Ademais, as regras que orientam o sistema político devem ter como uma de suas prioridades garantir a representatividade dos cidadãos nos espaços decisórios e o fortalecimento dos mecanismos e dos canais de participação dos diversos grupos que compõem nosso ecossistema político e social.


O desdobramento desses princípios em regras e instituições efetivas deve levar em consideração que o Brasil é um país que historicamente se estruturou criando enormes desvantagens para pobres, pretos e mulheres. Nesse cenário, os debates sobre mecanismos e processos de financiamento de campanha para eleições de um regime democrático devem considerar como essa dinâmica distorce o resultado das urnas em termos da representatividade dos candidatos eleitos e das decisões e debates que o ecossistema desses atores viabilizará.


Será que só o financiamento privado consegue garantir equidade na disputa eleitoral entre um candidato ligado ao setor empresarial e outro que possui como base comunidades periféricas? Será que as legendas partidárias a partir da realidade e lógica política espontaneamente destinarão recursos de forma equitativa para candidaturas de pessoas pretas e de mulheres? Esse debate é relevante, pois para receber o voto da cidadã ou do cidadão a candidata ou candidato deve ser conhecida(o) e esse processo de divulgação de propostas demanda recursos financeiros. Ademais, segundo pesquisadores do Insper que recentemente publicaram o estudo “Desigualdade Racial nas Eleições Brasileiras”, a quantidade de recursos pode ser um fator relevante no desempenho dos candidatos nas urnas. Assim, a melhoria da representatividade nos espaços decisórios formados a partir do voto demanda, dentre outros aspectos, mecanismos de financiamento eleitoral que priorizem a equidade de condições entre os concorrentes.


Ampliar a diversidade do perfil dos tomadores de decisão e aproximar essa representatividade da realidade social brasileira é estratégica em uma sociedade democrática e, por consequência, para nós profissionais de RIG, pois contribui para o fortalecimento dos espaços de debate e participação. Se ver representada de forma efetiva nas instituições e instâncias decisórias ajuda a população a considerar essas estruturas como parte da solução dos desafios do seu dia a dia. Ademais, a disponibilidade na variedade de experiências que comporão os debates sobre leis e políticas públicas contribui para sua efetividade. E a possibilidade de compartilhamento de espaços e funções entre diferentes, pode contribuir para diminuir eventuais preconceitos que possam existir com relação a um ou outro grupo.


As discussões em torno da relação entre acesso aos recursos financeiros e desigualdade na representação política são complexas e as soluções, até o momento, não envolvem fórmulas fechadas. Nesse contexto, mais uma vez, a compreensão dos princípios que devem nortear esse debate é fundamental e a disposição ao diálogo na construção e na revisão das medidas implementadas é estratégica para a ampliação da representatividade nas instâncias decisórias.


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